quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Qualidade para leigos


Um livro que eu recomendo para qualquer um que queira melhorar sua empresa, ou mesmo sua forma de trabalho é: “O sabor da Qualidade – uma história sobre como criar uma cultura de excelência nas empresas” de Subir Chowdhury.

Mesmo quem não gosta de ler, consegue lê-lo, tem poucas páginas e uma estória de pano de fundo, que é a busca de Pete, um gerente de uma fábrica de sorvetes, com dificuldades como a falta de clientes interessados no seu produto.

Sua marca tinha tido sucesso no passado, mas passava por uma rejeição massiva do mercado.

Uma grande rede para a qual a empresa tinha interesse em vender seus produtos, e sempre se negava a comprá-los faz uma pergunta ao representante de vendas de sua empresa, que ele não consegue responder: “Qual o grau de aceitação das suas embalagens?”

Ele resolve visitar a rede de supermercados, onde por picuinha nunca tinha ido antes. Nesta visita, ele conhece Mike, o gerente da rede, e algo muda em sua vida. Daí pra frente participamos com ele das suas descobertas, aprendemos junto com ele como implementar mudanças em uma empresa, compartilhamos suas frustrações e acertos até que ele consegue com que a empresa volte a crescer novamente.

Todas as ideias e descobertas são plausíveis, você consegue adaptá-las facilmente para a sua realidade. Na verdade, esse livro planta a semente da qualidade nas pessoas.


Li esse livro quando eu trabalhava em uma empresa, onde eu tinha muita liberdade para melhorar os processos da empresa, então eu vivia entusiasmada. Na verdade, eu li nas minhas férias, tamanha minha empolgação em voltar ao trabalho à mil. E como ele tinha muito a ver com o trabalho da nossa equipe, no retorno das férias emprestei para o meu chefe ler. Ele ficou entusiasmado também, usou uma verba do nosso orçamento para comprar uma cópia do livro para cada gerente da nossa célula. Entregamos as cópias com um cartão. Na frente vinha uma inscrição, mais ou menos assim: “Veja quem é o responsável pela nossa qualidade.” Quando a pessoa abria tinha um pequeno espelho. E uma outra inscrição: “Seja o condutor dessa mudança!”.

Éramos responsáveis pela melhoria dos processos da fábrica de software, e vínhamos fazendo um trabalho muito motivador, e queríamos manter os líderes engajados e motivados como nós estávamos. E, funcionou!


Não costumo marcar páginas ou grifar textos nas minhas leituras, mas este livro está repleto de textos que marquei, um deles é este:
“Em termos de inovação... lançar novos produtos, ideias ou tecnologias... as empresas se saem muito bem! Entretanto, quando se trata de qualidade, dos esforços diários e ininterruptos para melhorar um produto ou serviço, garantindo que ele satisfaça plenamente e o tempo todo aos padrões estabelecidos, com objetivo de construir uma relação de fidelidade com os clientes, elas falham. “

O item mais importante que um produto ou serviço precisa apresentar é qualidade, é por este motivo que há a gestão dos processos e sua preocupação com a melhoria contínua. Seu produto pode ser uma grande inovação no mercado, mas se não tiver qualidade, seu concorrente mais atento pode e vai bater o seu produto.

É por este motivo que empresas que não são inovadoras, mas vendem produtos com qualidade permanecem no mercado.

Digamos que alguém invente um coração de vidro com capacidade de substituir o coração humano em um transplante. Se você estiver na mesa de operações, garanto que vai querer o coração com o vidro mais resistente e translúcido que houver. Não vai querer receber um coração inovador e não testado feito com reciclagem de vidro, que pode se estilhaçar facilmente no seu peito.

Debruçar-se sobre um problema ou oportunidade e criar uma solução para isso é mais fácil do que replicar a solução inúmeras vezes com o mesmo resultado.



Estou ajudando na decoração da casa do meu irmão, desenhei uma capa de almofada que fosse dupla face em um tecido grosso, mas não queria usá-lo dublado (2 tecidos), porque a almofada perderia seu conforto. Eu queria que ela fosse austera, mas não rústica. Fiz o molde em papel, testei e consegui meu modelo perfeito. Fiz a primeira almofada e finalizei. Só que eram quatro almofadas e elas teriam que ficar do mesmo tamanho e forma. Aí é que veio a dificuldade, eu precisei padronizar, mesmo tamanho de corte do tecido, mesma margem de costura, mesma linha, mesmo tamanho de pontos de costura.

Coloquei algumas paradas de verificação, a cada parte do trabalho eu tinha que parar, medir, cortar o excesso de tecido para garantir que as almofadas ficassem iguais.

Se eu fabricasse capas de almofadas, para manter minha qualidade, eu teria que ter moldes, padrões, medidas para manter a regularidade do resultado da minha produção e pontos de verificação da qualidade. Eu não poderia fazer cada capa como meu humor mandasse. Na fase de criação sim, mas nunca na fase de produção.

Nas empresas nos deparamos com pessoas que atendem ao telefone simplesmente dizendo: “alô!”, como se tivessem na sala de suas casas. Imagine que uma grande rede se interessou pelo seu produto, liga para sua empresa, e é atendido como se fosse uma residência. Ele começa a imaginar que sua empresa não teria capacidade de atender ao grande número de pedidos que precisa fazer. Agora se ele for atendido de uma forma mais profissional: “Casa das Almofadas. Bom dia! Em que posso ajudá-lo?”, você tira da cabeça dele muitas dúvidas.

Claro que só atender bem à chamada do cliente não é tudo, você precisa atender seus prazos, oferecer um preço justo, oferecer bons produtos, com garantia.

Todos os detalhes importam. E como você vai conhecer esses detalhes? Conhecendo seus processos. «

domingo, 2 de setembro de 2018

Gestão por Processos – a arte de pregar no deserto

Quando eu era Analista de Sistemas, e alguém me perguntava com o que eu trabalhava eu poderia responder: Sistemas, TI ou Informática e qualquer um entendia do que eu estava falando, alguns faziam uma confusão e me falavam que estavam com um problema em seus computadores, se eu poderia “dar uma olhada”, nessa hora eu tinha que explicar que tinha me especializado em construção de softwares e não em hardwares. Era o máximo de complicação que surgia em torno da minha resposta.


Quando me tornei uma Analista de Processos, a mesma pergunta causava uma grande interrogação na testa do meu interlocutor. “Eu trabalho com processos”, e a pessoa ficava ali bem na minha frente em luta mental, “o que diabos é isso?”, desconcertada raramente me pedia mais detalhes, mas claramente não fazia a menor ideia qual era o meu trabalho.

Um pregador pode responder: “eu trabalho com a fé das pessoas”, e todo mundo vai entender o que ele quer dizer. Venhamos e convenhamos, fé é muito mais complicado de compreender do que processos. Mas as pessoas compreendem a fé e não compreendem os processos.

A minha vocação e a de um pregador não tem muita distância, muitas vezes sinto-me pregando no deserto.
Tenha fé, encontre seu pé de zimbro no deserto e volte para os seus processos.

Uma empresa sem processos, é como uma religião sem fé, simplesmente não existe.

Em português temos uma dificuldade extra para compreender o conceito de processo, porque ele foi traduzido simplesmente como “processo”, em inglês se diz “processo de negócio”, por este motivo procuro me referir a “processo” sempre que posso como “processo de negócio”. Mesmo assim, o termo não é esclarecedor.

O termo processo por si só é utilizado na nossa língua de diversas formas, sempre indicando morosidade e algo que leva muito tempo para acontecer ou acontece de forma enfadonha: “estou em processo de divórcio”, “estou em um processo de aprendizado”, “isso é um processo, acontece aos poucos”, “o processo de transformação ocorre lentamente”, e por aí vai.

O dicionário classifica a palavra processo como: substantivo masculino; 1. ação continuada, realização contínua e prolongada de alguma atividade; seguimento, curso, decurso;  2. sequência contínua de fatos ou operações que apresentam certa unidade ou que se reproduzem com certa regularidade; andamento, desenvolvimento, marcha.

Podemos dizer que para uma empresa, processo é uma sequência de atividades que se repetem ao longo de um determinado tempo, consomem alguns recursos e seguem algumas regras para produzir um mesmo resultado.

Na verdade, o papel de um analista ou engenheiro de processos nem deveria existir em uma empresa, o responsável por orquestrar e fazer essa engrenagem funcionar deveria ser o administrador da empresa. E, por muito tempo, foi dessa forma, só que a sociedade evoluiu e as necessidades das empresas também, com o tempo os administradores passaram a delegar as atividades mais maçantes e ficaram com as de cunho mais político para si.

Uma das atividades que delegaram foi a orquestração e monitoramento da engrenagem em funcionamento, primeiro dividindo a organização em áreas e atribuindo gerências a elas, depois criando o escritório de processos com a função de apoiar essas divisões. Provavelmente as primeiras empresas que adotaram esse modelo, sabiam muito bem o que estavam fazendo. As que imitaram o modelo, simplesmente acharam que o modelo era o responsável pelo sucesso das empresas de que copiaram o modelo. Sem entender o porquê, elas saíram replicando o modelo sem de fato perceber que poderiam ter melhorado o modelo e adaptado mudanças para suas realidades. Muito provavelmente as primeiras empresas a imitar tiveram sucesso, e isso incentivou a disseminar o modelo.

Isso explica, porque uma prática tão antiga de gestão apareceu muitas vezes como novidade e sob diversos nomes: Organização e Métodos (O&M), Reengenharia, Downsizing, Gestão por Processos de negócio (BPM), Transformação Digital.

Trata-se da mesma prática, aplicada com objetivos diferentes. Eu prefiro chamar todas de gestão por processos.

Vou dar um exemplo prático do que a gestão por processos pode fazer por uma empresa, e talvez você enxergue nele traços de alguns dos conceitos que a prática recebeu ao longo do tempo.


Automatizei um processo de atendimento, que tinha três níveis de atendimento, os dois primeiros níveis foram automatizados e o terceiro monitorado pelo processo.

O primeiro nível tinha problemas como alta rotatividade de pessoal, ou seja, o conhecimento se perdia facilmente, outro problema era a dificuldade de gestão dessas pessoas, uma vez que mal se adaptavam à cultura da empresa já estavam indo embora, era difícil manter uma padronização no atendimento.

Sem um processo automatizado, esse pessoal era mantido em rédea curta, o supervisor era obrigado a monitorar inclusive atitudes, mas nada disso garantia qualidade no atendimento, além disso a qualidade nem poderia ser mensurada. A única medição de qualidade possível, era a quantidade de reclamações dos clientes, sem ter noção exata da quantidade de atendimentos. Mesmo a bonificação estava comprometida, como saber quem fez mais atendimentos?

Com a automatização dos processos de atendimento de primeiro e segundo nível, a maturidade desses processos deu um salto em relação a outros processos da empresa que ainda não estavam automatizados. O cargo de supervisão deixou literalmente de existir. Passaram a existir outros meios, via sistema, de supervisionar os atendimentos. A bonificação passou a ser eficaz, e as regras do jogo estavam claras para os participantes: recebia a bonificação quem atingisse as metas determinadas. O próprio profissional conseguia medir seu desempenho. Existiam números para comprovar a eficiência. 

A rotatividade continuou a existir, mais de forma mais reduzida, entretanto sem a perda de conhecimento. Os atendimentos ganharam uniformidade. Inclusive alguns atendimentos de segundo nível passaram a fazer parte do atendimento de primeiro nível à medida que se percebia onde estavam as falhas e o que mais poderia ser melhorado. O segundo nível ganhou, além da solução de atendimentos mais especializados, a responsabilidade de monitorar o terceiro nível que não estava automatizado ainda.

Assim o terceiro nível que era técnico e estava sob outra direção era cobrado com argumentos sólidos e comprovados de tempo de espera. Mesmo que por decisões da empresa a automatização não tenha chegado ao terceiro nível de atendimento, existia uma melhora em relação ao passado, onde o cliente precisava reclamar da demora para que alguém pudesse cobrar o terceiro nível. O segundo nível agindo como um “procurador do cliente”, podia inclusive entrar em contato com o cliente, dizer que o problema dele estava em análise e que a solução ainda demoraria mais tempo, dando inclusive estimativas de tempo propostas pelo terceiro nível.

Essa diferença entre o cliente ter que reclamar e ele ser procurado com uma explicação plausível para a demora no atendimento, com certeza teve um impacto positivo na relação com o cliente.

O objetivo da automatização de um processo é fornecer estatísticas quanto à performance do processo. Entre as citações mais famosas de Peter Drucker, que mais do que o pai da administração moderna, é um indiscutível provocador da cultura empreendedora, está: “O que pode ser medido, pode ser melhorado”.
Quando aparecem soluções no mercado que não fornecem estatísticas do processo, por mais fácil que seja a implementação, eu sei que não vão cumprir com o objetivo primordial de um processo e, sobretudo, de qualquer empresa, que é a melhoria contínua. Nenhuma empresa deveria chegar a um patamar e ficar estagnada nele. Para que ela sobreviva, precisa se desafiar e fazer mais do que já foi capaz de fazer.
A diferença entre um sistema de gestão de processos (BPMS - Business Process Management System) e um sistema ou software qualquer está exatamente no fornecimento de estatísticas sobre suas execuções. Um bom sistema de gestão de processos, fornece tanto uma visão geral como uma visão detalhada do que está acontecendo no processo.
Não é exatamente algo semelhante a isso que o conceito de Big Data promete fazer? Pelo menos no âmbito da empresa, a automação dos processos feita em um sistema de gestão de processo vai trazer informações importantes e cruciais para o negócio.
Sistemas de gestão de processos, atualmente estão agregando a transformação digital, que nada mais é do que fazer a unificação dos sistemas legado da empresa e ferramentas com elementos de inteligência artificial para agrupar as informações que antes estavam dispersas.
Ou seja, o sistema de gestão de processos passa a ser uma interface para os usuários usarem os sistemas e recursos de tecnologia que já existem na empresa, essa comunicação passa a acontecer dentro de um sistema capaz de transformar informações em medições estatísticas. Além desse ganho, de conhecimento, existe outro inegável que é a praticidade de uso das ferramentas pelo usuário, que não precisa entrar em três ou quatro sistemas para fazer seu trabalho. Ele entra em apenas um sistema, que se comunica e/ou emula os demais sistemas que deveria acessar. Além é claro do custo operacional reduzido para a empresa, que não precisa se desfazer dos sistemas legados, que apesar de funcionarem muito bem, muitas vezes, não possuem um visual atrativo para os usuários, ou não têm uso prático. Digamos que é uma espécie de reciclagem dos sistemas.
Na prática é como se ter um ERP (Enterprise Resource Planning - Sistema Integrado de Gestão Empresarial) totalmente customizado às necessidades da empresa, sem ter que jogar todo o investimento tecnológico feito até o momento no lixo, além de poder agregar novas funcionalidades, tecnologias e sistemas novos à medida que a empresa cresce e amadurece. Mesmo a empresa que já possui um ERP e quer dar essa unicidade aos seus sistemas pode ser beneficiada por essa nova faceta dos sistemas de gestão de processos voltados para a transformação digital.

Não me parece um deserto, parecem terras férteis para criar e fazer muito mais do que já foi feito até o momento. Então, por quê ainda me sinto pregando no deserto? Será que as empresas precisam ter mais fé em seus processos?

Talvez quando me perguntarem novamente com o que eu trabalho, eu responda: “eu prego que há terras férteis, para aqueles que acreditam possuírem terras desérticas”. «