Quando me tornei uma Analista de Processos, a mesma pergunta
causava uma grande interrogação na testa do meu interlocutor. “Eu trabalho com
processos”, e a pessoa ficava ali bem na minha frente em luta mental, “o que
diabos é isso?”, desconcertada raramente me pedia mais detalhes, mas claramente não fazia a menor ideia qual era o meu trabalho.
Um pregador pode responder: “eu trabalho com a fé das
pessoas”, e todo mundo vai entender o que ele quer dizer. Venhamos e
convenhamos, fé é muito mais complicado de compreender do que processos. Mas as
pessoas compreendem a fé e não compreendem os processos.
A minha vocação e a de um pregador não tem muita distância,
muitas vezes sinto-me pregando no deserto.
Uma empresa sem processos, é como uma religião sem fé,
simplesmente não existe.
Em português temos uma dificuldade extra para compreender o
conceito de processo, porque ele foi traduzido simplesmente como “processo”, em
inglês se diz “processo de negócio”, por este motivo procuro me referir a “processo”
sempre que posso como “processo de negócio”. Mesmo assim, o termo não é
esclarecedor.
O termo processo por si só é utilizado na nossa língua de
diversas formas, sempre indicando morosidade e algo que leva muito tempo para
acontecer ou acontece de forma enfadonha: “estou em processo de divórcio”, “estou
em um processo de aprendizado”, “isso é um processo, acontece aos poucos”, “o
processo de transformação ocorre lentamente”, e por aí vai.
O dicionário classifica a palavra
processo como: substantivo masculino; 1. ação continuada, realização contínua e
prolongada de alguma atividade; seguimento, curso, decurso; 2. sequência contínua de fatos ou operações
que apresentam certa unidade ou que se reproduzem com certa regularidade;
andamento, desenvolvimento, marcha.
Podemos dizer que para uma empresa,
processo é uma sequência de atividades que se repetem ao longo de um
determinado tempo, consomem alguns recursos e seguem algumas regras para produzir
um mesmo resultado.
Na verdade, o papel de um analista
ou engenheiro de processos nem deveria existir em uma empresa, o responsável
por orquestrar e fazer essa engrenagem funcionar deveria ser o administrador da
empresa. E, por muito tempo, foi dessa forma, só que a sociedade evoluiu e as
necessidades das empresas também, com o tempo os administradores passaram a
delegar as atividades mais maçantes e ficaram com as de cunho mais político
para si.
Uma das atividades que delegaram
foi a orquestração e monitoramento da engrenagem em funcionamento, primeiro
dividindo a organização em áreas e atribuindo gerências a elas, depois criando o
escritório de processos com a função de apoiar essas divisões. Provavelmente as
primeiras empresas que adotaram esse modelo, sabiam muito bem o que estavam
fazendo. As que imitaram o modelo, simplesmente acharam que o modelo era o
responsável pelo sucesso das empresas de que copiaram o modelo. Sem entender o
porquê, elas saíram replicando o modelo sem de fato perceber que poderiam ter
melhorado o modelo e adaptado mudanças para suas realidades. Muito
provavelmente as primeiras empresas a imitar tiveram sucesso, e isso incentivou
a disseminar o modelo.
Isso explica, porque uma prática
tão antiga de gestão apareceu muitas vezes como novidade e sob diversos nomes:
Organização e Métodos (O&M), Reengenharia, Downsizing, Gestão por Processos
de negócio (BPM), Transformação Digital.
Trata-se da mesma prática, aplicada
com objetivos diferentes. Eu prefiro chamar todas de gestão por processos.
Vou dar um exemplo prático do que a
gestão por processos pode fazer por uma empresa, e talvez você enxergue nele traços
de alguns dos conceitos que a prática recebeu ao longo do tempo.
Automatizei um processo de
atendimento, que tinha três níveis de atendimento, os dois primeiros níveis
foram automatizados e o terceiro monitorado pelo processo.
O primeiro nível tinha problemas
como alta rotatividade de pessoal, ou seja, o conhecimento se perdia
facilmente, outro problema era a dificuldade de gestão dessas pessoas, uma vez
que mal se adaptavam à cultura da empresa já estavam indo embora, era difícil manter
uma padronização no atendimento.
Sem um processo automatizado, esse
pessoal era mantido em rédea curta, o supervisor era obrigado a monitorar inclusive
atitudes, mas nada disso garantia qualidade no atendimento, além disso a qualidade
nem poderia ser mensurada. A única medição de qualidade possível, era a quantidade
de reclamações dos clientes, sem ter noção exata da quantidade de atendimentos.
Mesmo a bonificação estava comprometida, como saber quem fez mais atendimentos?
Com a automatização dos processos
de atendimento de primeiro e segundo nível, a maturidade desses processos deu
um salto em relação a outros processos da empresa que ainda não estavam
automatizados. O cargo de supervisão deixou literalmente de existir. Passaram a
existir outros meios, via sistema, de supervisionar os atendimentos. A
bonificação passou a ser eficaz, e as regras do jogo estavam claras para os
participantes: recebia a bonificação quem atingisse as metas determinadas. O próprio
profissional conseguia medir seu desempenho. Existiam números para comprovar a
eficiência.
A rotatividade continuou a existir, mais de forma mais reduzida,
entretanto sem a perda de conhecimento. Os atendimentos ganharam uniformidade.
Inclusive alguns atendimentos de segundo nível passaram a fazer parte do atendimento
de primeiro nível à medida que se percebia onde estavam as falhas e o que mais
poderia ser melhorado. O segundo nível ganhou, além da solução de atendimentos mais especializados, a responsabilidade de monitorar o
terceiro nível que não estava automatizado ainda.
Assim o terceiro nível que era técnico
e estava sob outra direção era cobrado com argumentos sólidos e comprovados de
tempo de espera. Mesmo que por decisões da empresa a automatização não tenha
chegado ao terceiro nível de atendimento, existia uma melhora em relação ao
passado, onde o cliente precisava reclamar da demora para que alguém pudesse
cobrar o terceiro nível. O segundo nível agindo como um “procurador do cliente”,
podia inclusive entrar em contato com o cliente, dizer que o problema dele
estava em análise e que a solução ainda demoraria mais tempo, dando inclusive
estimativas de tempo propostas pelo terceiro nível.
Essa diferença entre o cliente ter
que reclamar e ele ser procurado com uma explicação plausível para a demora no
atendimento, com certeza teve um impacto positivo na relação com o cliente.
O objetivo da automatização de um
processo é fornecer estatísticas quanto à performance do processo. Entre as
citações mais famosas de Peter Drucker, que mais do que o pai da administração
moderna, é um indiscutível provocador da cultura empreendedora, está: “O que
pode ser medido, pode ser melhorado”.
Quando aparecem soluções no mercado que não fornecem
estatísticas do processo, por mais fácil que seja a implementação, eu sei que não
vão cumprir com o objetivo primordial de um processo e, sobretudo, de qualquer
empresa, que é a melhoria contínua. Nenhuma empresa deveria chegar a um patamar
e ficar estagnada nele. Para que ela sobreviva, precisa se desafiar e fazer
mais do que já foi capaz de fazer.
A diferença entre um sistema de gestão de processos
(BPMS - Business Process Management System) e um sistema ou software qualquer
está exatamente no fornecimento de estatísticas sobre suas execuções. Um bom
sistema de gestão de processos, fornece tanto uma visão geral como uma visão
detalhada do que está acontecendo no processo.
Não é exatamente algo semelhante a isso que o conceito
de Big Data promete fazer? Pelo menos no âmbito da empresa, a automação dos processos
feita em um sistema de gestão de processo vai trazer informações importantes e
cruciais para o negócio.
Sistemas de gestão de processos, atualmente estão agregando a
transformação digital, que nada mais é do que fazer a unificação dos sistemas
legado da empresa e ferramentas com elementos de inteligência artificial para agrupar
as informações que antes estavam dispersas.
Ou seja, o sistema de gestão de processos passa a ser uma
interface para os usuários usarem os sistemas e recursos de tecnologia que já existem na empresa, essa comunicação passa a acontecer dentro de um sistema capaz de transformar
informações em medições estatísticas. Além desse ganho, de conhecimento, existe
outro inegável que é a praticidade de uso das ferramentas pelo usuário, que não
precisa entrar em três ou quatro sistemas para fazer seu trabalho. Ele entra em apenas
um sistema, que se comunica e/ou emula os demais sistemas que deveria acessar.
Além é claro do custo operacional reduzido para a empresa, que não precisa se
desfazer dos sistemas legados, que apesar de funcionarem muito bem, muitas vezes, não possuem
um visual atrativo para os usuários, ou não têm uso prático. Digamos que é uma espécie de
reciclagem dos sistemas.
Na prática é como se ter um ERP (Enterprise Resource
Planning - Sistema
Integrado de Gestão Empresarial) totalmente customizado às necessidades
da empresa, sem ter que jogar todo o investimento tecnológico feito até o
momento no lixo, além de poder agregar novas funcionalidades, tecnologias e sistemas novos à medida que a empresa cresce e amadurece. Mesmo a empresa que já possui um ERP e quer dar essa unicidade
aos seus sistemas pode ser beneficiada por essa nova faceta dos sistemas de gestão
de processos voltados para a transformação digital.
Não me parece um deserto, parecem
terras férteis para criar e fazer muito mais do que já foi feito até o momento.
Então, por quê ainda me sinto pregando no deserto? Será que as empresas
precisam ter mais fé em seus processos?
Talvez quando me perguntarem
novamente com o que eu trabalho, eu responda: “eu prego que há terras férteis, para
aqueles que acreditam possuírem terras desérticas”. «
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