terça-feira, 10 de março de 2009

Como definir Qualidade

Uma das maiores dificuldades dos profissionais que trabalham com conceitos de processo e qualidade é convencer aos executivos da importância deles, em muitas empresas que ainda não atingiram a maturidade para entendê-los, criam-se áreas especificas, mas encaram-nas como custo adicional, ou seja, na primeira necessidade de corte de custo, é justamente essa área que é cortada.

Atribuo uma parte dessa deficiência à qualidade de alguns profissionais, cuja qualificação é duvidosa, falam sobre meia dúzia de siglas e já são contratados, mas não aplicam as técnicas corretas, nem se preocupam com a efetividade delas.

Existe uma questão que sempre é negligenciada: o objetivo da empresa. Em geral, o profissional quer implementar um modelo que funcionou em outra empresa, sem adaptar à realidade da empresa atual. Para começar, o modelo aplicado na outra empresa estava atrelado a uma estratégia, por isso foi bem sucedido lá e fatalmente fracassará na empresa atual.

Para lançar luz sobre o assunto Qualidade, transcrevo um trecho do livro Zen e a arte de manutenção de motocicletas (Uma investigação sobre valores) de Robert M. Pirsig e tradução de Celina Cardim Cavalcanti:


(...)
Eu estava falando sobre a primeira onda de cristalização, fora da retórica, resultante da recusa de Fedro em definir Qualidade. Ele teve que se perguntar: “Se a Qualidade é indefinível, como se pode provar sua existência?”

A resposta, ele a encontrou numa velha escola filosófica denominada realismo. “Diz-se que uma coisa existe”, afirmou ele, “quando um determinado mundo não funciona normalmente sem ela. Se pudermos demonstrar que um mundo sem Qualidade funciona de modo anormal, então provaremos que a Qualidade existe, haja ou não uma definição para ela.” Daqui por diante, ele pôs-se a subtrair a Qualidade do mundo análogo ao que conhecemos.

As primeiras vítimas dessa subtração, segundo Fedro, seriam as belas-artes. Se não se pode distinguir o bom do mau nas artes, elas automaticamente desaparecem. Não há motivo para colocar um quadro na parede quando a parede nua parece tão boa quanto ele. Não há motivo para ouvir uma sinfonia se o ruído dos arranhões do disco ou a vibração da vitrola já nos satisfazem.

Depois, desapareceria a poesia, porque raramente faz sentido, e não tem nenhum valor prático. E, estranhamente, desapareceria também a comédia. Ninguém mais entenderia as piadas, porque a diferença entre o humor e o não-humor é pura Qualidade.

A seguir, desapareceriam os esportes. Futebol, basebol, jogos de todos os tipos. As contagens não significariam mais nada, seriam apenas estatísticas sem sentido, como o número de pedregulhos que há num monte de cascalho. Quem é que iria assistir aos jogos? Quem é que ia jogar?

O próximo passo foi extrair a Qualidade do mercado, e predizer as mudanças que ocorreriam. Uma vez que a qualidade dos sabores desaparecesse, os supermercados venderiam apenas cereais básicos, como arroz, milho, soja, farinha de trigo; quem sabe, também carne não classificada, leite para as criancinhas desmamadas e vitaminas e sais minerais, para sanar as deficiências de tais substâncias no organismo. Desapareceriam também as bebidas alcoólicas, o chá, o café e o fumo, da mesma forma que os filmes, bailes, divertimentos e festas. Todos nós andaríamos de ônibus e usaríamos sapatos do serviço de Intendência.

A maioria de nós ficaria desempregada, mas certamente por pouco tempo, até sermos remanejados para serviços básicos sem Qualidade. As ciências e a tecnologia aplicadas sofreriam mudanças drásticas, mas a ciência pura, a matemática, a filosofia e, principalmente, a lógica, não passariam por qualquer transformação.

Fedro achou esta última idéia sobremodo interessante. As conquistas puramente intelectuais eram as que menos sofriam com a eliminação da Qualidade. Se a Qualidade desaparecesse, apenas a lógica não mudaria. Coisa mais estranha. Por que seria?

Ele não fazia idéia, mas sabia que, retirando a Qualidade do mundo conhecido, descobriria que esse termo encerrava um grau de importância do qual ele nem sequer desconfiava. O mundo podia funcionar sem Qualidade, mas a vida seria tão monótona que dificilmente poderíamos enfrentá-la. Aliás, nem valeria a pena viver. A expressão valer a pena é uma expressão de Qualidade. A vida consistiria em viver sem quaisquer valores ou objetivos.

Depois de avaliar a que distância essa linha de pensamento o tinha levado, Fedro concluiu que havia provado sua hipótese. Uma vez que o mundo obviamente não funciona de maneira normal ao subtrair-se a Qualidade, ela existe, com ou sem definição.
(...)

Qualidade é o que torna tudo Possível

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